Xeroderma
pigmentoso atinge 24 pessoas em Araras, distrito de Faina. Enfermidade deixa o portador até mil vezes mais vulnerável ao câncer.
Djalma Antônio Jardim já perdeu várias partes do rosto
por causa do xeroderma (Foto: Eraldo Peres/AP)
Portadores
de uma doença rara de pele sofrem com isolamento e falta de perspectivas de um
futuro melhor em Araras, povoado com cerca de 800 moradores que fica a 40
quilômetros de Faina,
na região noroeste de Goiás. Vinte e quatro pessoas têm o diagnóstico
confirmado de xeroderma pigmentoso, ou XP, fruto de uma mutação genética que gera
hipersensibilidade a luz e deixa os pacientes até mil vezes mais suscetíveis ao
câncer de pele do que as demais pessoas. A taxa de incidência registrada na
comunidade - de 1 para cada 40 habitantes - é a maior do mundo, segundo a
Associação Brasileira de Xeroderma Pigmentoso (AbraXP).
Nos
Estados Unidos, por exemplo, essa taxa é de um caso para cada 1 milhão de
habitantes, compara a pedagoga e presidente da AbraXP, Gleice Francisca
Machado, 38 anos. “A concentração de um grupo de portadores do xeroderma na
proporção que temos aqui é raríssimo e faz com que sejamos a maior comunidade
com a doença do mundo. Muita gente não desenvolveu sintomas ainda. Por isso, os
números podem aumentar. Após a constatação do fato, já recebemos diversos
pesquisadores, até mesmo do exterior, intrigados com o caso”, explicou.
A
doença é hereditária, ou seja, apenas transmitida de pais para filhos, e ainda
não existe uma cura. Sendo assim, os portadores precisam se esconder dos raios
ultravioletas (UVA e UVB) gerados pelo sol, pois isso aumenta ainda mais a
evolução das manchas na pele e o aparecimento de tumores malignos, segundo
informações da AbraXP. Os moradores de Araras já passaram por centenas de
procedimentos cirúrgicos e tiveram seus rostos mutilados, sendo obrigados a usar
próteses rudimentares, feitas a mão.
“Essa
é uma realidade muito difícil para o portador do xeroderma, pois na região em
que vivemos o sol é muito forte e a maioria trabalhava na roça. Sendo assim,
após a confirmação do diagnóstico, em 2010, elas passaram a tentar se prevenir
um pouco mais. Mas ainda enfrentamos muitos problemas”, afirmou Gleice.
A
explicação para tamanha incidência da doença na comunidade de Araras são os
casamentos consanguíneos, ou seja, entre parentes, que fazem com que o gene
defeituoso hereditário seja transmitido. “O primeiro caso na cidade aconteceu
há mais de 150 anos. Três famílias que se mudaram para a região nessa época
tiveram casamentos de membros entre si, o que gerou um grande parentesco entre
os habitantes. Por isso, muitos dos descendentes apresentaram os sintomas e
morreram ao longo desses anos, deformados, sem mesmo saber sobre o que
sofriam”, diz a presidente da associação.
Djalma Jardim conta que já foi vítima de preconceito (Foto:
Fernanda Borges/G1) Dificuldades
O dia a dia de um portador de xeroderma exige tantos cuidados que eles
permanecem isolados dentro de casa, com portas e janelas fechadas, e só saem
durante o dia para atividades inadiáveis. Mesmo assim, precisam reforçar o uso
do protetor solar, usar roupas compridas, óculos escuros e chapéus.
O
aposentado Djalma Antônio Jardim, 39 anos, luta contra a doença desde os sete
anos de idade, quando as primeiras pintas escuras surgiram na pele. Por conta
do xeroderma, ele já perdeu o nariz, o lábio superior, parte da bochecha e um
dos olhos. No lugar, usa uma prótese.
“A
minha aparência choca demais as pessoas. Morei em Goiânia por dez anos e sentia
muito preconceito. Por isso, voltei pra cá, onde todos vivem a mesma realidade.
Uma vez eu entrei em um ônibus e sentei ao lado de uma pessoa, que levantou na
hora. Acho que ela achou que iria pegar e ficou com medo. Então, é muito
difícil viver fora daqui [Araras]”, conta o aposentado.
Segundo
ele, as complicações mais graves começaram quando ele tinha nove anos. “Nessa
época, eu fiz a primeira cirurgia, mas ninguém sabia direito explicar se era
grave. Lembro que enquanto fiquei internado me davam muitas injeções e eu fugia
das enfermeiras para não tomá-las, mas esse tratamento não surtiu efeito e as
manchas continuaram a aparecer. Desde então, já perdi as contas de quantas
cirurgias fiz, mas chuto que são mais de 50”, afirma.
Ele
tem outros seis irmãos, sendo que três deles não possuem a doença. Outros três
enfrentam, assim como ele, os sintomas do xeroderma. O sétimo morreu em função
de complicações do mal. “Ele teve ferimentos graves, muitos tumores internos, e
desistiu de lutar. Quando morreu, estava todo deformado e não tinha mais forças
para se alimentar. Por isso, ficou deitado em uma cama e morreu seco, de fome e
sede”, lamenta.
Djalma
é um dos poucos que conseguiu se aposentar pelo Instituto Nacional da
Seguridade Social (INSS) e também vive de parte da renda obtida com uma pequena
sorveteria que administra. Todos os familiares moram no povoado e seus
arredores, mas ele permanece sozinho em uma casa. “Eu durmo, acordo, assisto
televisão. Quando é preciso, saio, vou à igreja, principalmente à noite. Mas
faço tudo por aqui. Infelizmente, não posso ter uma rotina como a das outras
pessoas e sofro com isso desde pequeno, já que nunca pude brincar do mesmo
jeito que as outras crianças”.
Descoberta
O xeroderma pigmentoso começou a ser descoberto pela comunidade em 2005, quando Gleice Francisca Machado percebeu que seu filho Alisson Wendell Machado, na época com dois anos, estava com algumas manchas na pele. Ela e o marido são primos de quarto grau. “Levei o Alisson a uma dermatologista e disse que outras pessoas do povoado tinham a mesma característica. Ela ficou assustada e disse que era impossível, pois se tratava de uma doença rara. Aí, outras pessoas foram analisadas e constataram de que todos tinham o mesmo diagnóstico”, lembra.
O xeroderma pigmentoso começou a ser descoberto pela comunidade em 2005, quando Gleice Francisca Machado percebeu que seu filho Alisson Wendell Machado, na época com dois anos, estava com algumas manchas na pele. Ela e o marido são primos de quarto grau. “Levei o Alisson a uma dermatologista e disse que outras pessoas do povoado tinham a mesma característica. Ela ficou assustada e disse que era impossível, pois se tratava de uma doença rara. Aí, outras pessoas foram analisadas e constataram de que todos tinham o mesmo diagnóstico”, lembra.
Gleice começou a pesquisar após seu filho Alisson ser diagnosticado (Foto:
Fernanda Borges/G1)
Desde
então, Alisson tem uma rotina muito diferente das crianças comuns. Atualmente
com 11 anos, o menino ruivo e com muitas sardas pelo corpo passa a maior parte
do tempo dentro de casa e no comércio da família. Além de um protetor aplicado
a cada duas horas, ele também precisa usar blusas de mangas compridas e calças.
“É tudo muito difícil, pois tenho que controlá-lo o tempo todo. Ele sabe que
não pode ficar exposto ao sol, mas é apenas uma criança e sofre por não poder
ter a mesma rotina dos demais. Uma das coisas que ele mais gosta é de
cavalgadas, mas elas acontecem durante o dia e não posso deixá-lo ir. Então, eu
não sei o que fazer para tentar distraí-lo”, conta a mãe.
Apesar
de ter o diagnóstico e saber que a única forma de tentar impedir a evolução da
doença é a prevenção, Gleice queria entender mais sobre a doença. Ela passou a
pesquisar sobre o tema e o trabalho resultou na elaboração do livro “Nas Asas
da Esperança”, que relata o sofrimento diário dos portadores de xeroderma. “As
dificuldades enfrentadas por essas pessoas são incontáveis. Elas precisam viver
em um ambiente adaptado, com luz especial, e precisam de acompanhamento médico
constante. Por isso, decidi que precisava agir e criei uma associação para a
cidade, que mais tarde virou nacional, para lutar pelo direito delas”.
Com
o apoio do Projeto Rondon, coordenado pelo Ministério da Defesa, e do
Ministério Público Estadual de Goiás (MP-GO), Gleice conseguiu formalizar a
AbraXP em 2010. Desde então, a associação, que tem portadores filiados em
estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Bahia, busca melhorias
para a comunidade, desde o fornecimento de protetores solares até as consultas
médicas periódicas. “Nesses quatro anos de luta, já conseguimos muitas coisas,
mas ainda falta muito. Uma das conquistas foi obter o acompanhamento dos
portadores no Hospital Geral de Goiânia [HGG], onde foi criado um laboratório
especializado em xeroderma”, afirma.
Uma
vez por semana os pacientes viajam para Goiânia para acompanhamento médico.
Após diversos pedidos, a AbraXP conseguiu que o governo estadual faça o
transporte dos portadores. “O grupo sai daqui por volta das 2h da madrugada e
chega à capital pouco depois das 5h. Tudo isso porque eles não podem ficar
expostos ao sol. Então, viajam durante a noite. Depois do atendimento, esperam
o dia todo no hospital pelo período noturno, quando podem retornar para casa”,
conta Gleice.
Para
a presidente da AbraXP, o acompanhamento médico em Goiânia é uma das maiores
vitória para os portadores de xeroderma, mas ainda existe muito a ser feito.
“Não podemos ficar esquecidos aqui, pois as pessoas continuam morrendo. O
governo tem que nos ajudar, não só auxiliando essas pessoas com uma pensão, mas
também adaptando as casas, escolas e ambientes em que elas precisam estar”.
Outra
luta da associação é conseguir que os portadores de xeroderma recebam
aposentadoria pelo INSS. “Infelizmente, temos poucos casos de pessoas que
conseguiram o benefício. Como não existe uma lei e muitas informações sobre a
gravidade da doença, muitos médicos não entendem que elas não podem exercer
atividades ao ar livre e que não restam muitas atividades remuneradas em
Araras, além do trabalho rural”, afirmou.
Povoado de Araras costuma ter ruas vazias durante o dia,
com casas fechadas (Foto: Fernanda Borges/G1)
Uma
esperança para os portadores foi a criação da Portaria nº 199 de 30 de janeiro
de 2014, do Ministério da Saúde, que estabelecem diretrizes para assistência às
pessoas com doenças raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). "Essa
medida instituiu desde o acompanhamento médico até incentivos financeiros para
custeio dos tratamentos. Esperamos que muita coisa possa mudar a partir de
agora. Essa é a esperança dessa comunidade", ressaltou Gleice.
Acompanhamento
Desde 2010, os portadores de xeroderma fazem o acompanhamento com médicos especialistas no HGG. As consultas são realizadas uma vez por semana. A dermatologista que coordena o tratamento, Sulamita Costa Wirth Chaibub, esclareceu ao G1 que a prevenção ainda é a melhor alternativa para controlar o avanço da doença.
“Os pacientes têm sido acompanhados com rigor na prevenção dos tumores com uso de filtros solares associados a uma enzima, a fotoliase, agente quimiopreventivo, com ação reparadora do DNA lesado. Também usamos bastante o imiquimode, que pode revelar e tratar lesões ainda não aparentes. Na verdade, o tratamento do xeroderma pigmentoso ainda se baseia na prevenção e na retirada dos tumores o mais breve possível, com exames periódicos”, afirmou.
Desde 2010, os portadores de xeroderma fazem o acompanhamento com médicos especialistas no HGG. As consultas são realizadas uma vez por semana. A dermatologista que coordena o tratamento, Sulamita Costa Wirth Chaibub, esclareceu ao G1 que a prevenção ainda é a melhor alternativa para controlar o avanço da doença.
“Os pacientes têm sido acompanhados com rigor na prevenção dos tumores com uso de filtros solares associados a uma enzima, a fotoliase, agente quimiopreventivo, com ação reparadora do DNA lesado. Também usamos bastante o imiquimode, que pode revelar e tratar lesões ainda não aparentes. Na verdade, o tratamento do xeroderma pigmentoso ainda se baseia na prevenção e na retirada dos tumores o mais breve possível, com exames periódicos”, afirmou.
Segundo
Sulamita, existem alguns estudos em andamento para tentar desvendar a cura para
a doença, mas ainda nada de imediato. “Pelas pesquisas atuais, a perspectiva
futura de cura deverá se dar ao nível do rearranjo genético. Mas isso ainda
deve demorar. Também existem alguns produtos em fase de estudos, como mebutato
de ingenol, resiquimode, galato epigalocatequina, ácido betulínico e
piroxicano, que estão sendo testados no mundo com resultados promissores”,
explicou a dermatologista.
Deidi Freire de Andrade, de 45 anos, luta contra a doença
desde os sete anos (Foto: Fernanda Borges/G1)
No
HGG, além de análise do avanço da doença, os pacientes são encaminhados para
outras especialidades, de acordo com a necessidade. Quando os tumores são
identificados e existe a necessidade da cirurgia, eles são encaminhados também
para o Hospital Araújo Jorge, referência no tratamento do câncer em Goiás.
“Todo
esse apoio que recebemos é fundamental, mas ainda precisamos de mais
assistência. Um dos exames que eles precisam com frequência é a dermatoscopia,
que analisa o aumento das manchas, mas o HGG não tem o equipamento para tal.
Com isso, os pacientes precisam pagar por ele na rede particular e nem todos
têm condições”, conta Gleice.
Procurado pelo G1, o diretor-técnico do HGG, Rafael Nakamura, informou que o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idtech), que administra o hospital, acompanha os pacientes com xeroderma antes mesmo da criação do ambulatório especializado.
“Nós também temos outra frente, que é o Projeto Rondon, que monitora a situação dessas pessoas e ajudaram na criação da associação. Sendo assim, sabemos das dificuldades enfrentadas por eles e buscamos medidas para tentar melhorar a qualidade de vida delas. Uma delas foi a criação de uma regulação, que determina o atendimento prioritário delas no HGG”, explicou.
Procurado pelo G1, o diretor-técnico do HGG, Rafael Nakamura, informou que o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idtech), que administra o hospital, acompanha os pacientes com xeroderma antes mesmo da criação do ambulatório especializado.
“Nós também temos outra frente, que é o Projeto Rondon, que monitora a situação dessas pessoas e ajudaram na criação da associação. Sendo assim, sabemos das dificuldades enfrentadas por eles e buscamos medidas para tentar melhorar a qualidade de vida delas. Uma delas foi a criação de uma regulação, que determina o atendimento prioritário delas no HGG”, explicou.
Sobre
o exame citado, Nakamura afirma que ele é feito com um equipamento importado,
que ajuda a detectar lesões na pele imperceptíveis a olho nu. “Já estamos
fazendo cotação para aquisição do aparelho e esperamos que o mais breve
possível ele possa atender os pacientes”, disse.
Cláudia Sebastiana mostra pele escura por causa do xeroderma (Foto:
Fernanda Borges/G1) Falta
de renda
Conseguir trabalhar e se sustentar é uma das maiores dificuldades de quem tem
xeroderma. Deidi Freire de Andrade, 45 anos, conta que foi obrigado a abandonar
o trabalho rural por causa da doença. Primo de Djalma Antônio Jardim, ele
relata que os primeiros sintomas apareceram aos sete anos de idade. “Desde
então, já fiz mais de 100 procedimentos cirúrgicos. Alguns mais simples, mas
outros graves para a retirada de tumores, que afetaram do meu nariz, céu da
boca, até o olho. Este último perdi por causa de reações da radioterapia”,
relata.
Deidi
é casado há 11 anos e tem duas filhas de 10 e 7 anos. Até o momento, elas não
apresentaram sintomas. “Meu pai e minha mãe eram primos de primeiro grau e
acredito que, por isso, tenho a doença. Felizmente, a minha esposa não é do
círculo familiar que vive aqui e minhas filhas estão bem”, diz.
Por
causa das lesões que sofreu, o aposentado tem dificuldades para falar e apenas
consegue ver de um olho, no qual fez uma cirurgia recentemente. “O que sinto
mais falta é de poder falar e enxergar direito. Mas espero que encontrem uma
cura ou pelo menos um tratamento para amenizar a nossa dor”, concluiu.
Outra
portadora de xeroderma, a dona de casa Cláudia Sebastiana Jardim Cunha, 36
anos, diz que pensou muito em não contribuir com a transmissão da doença aos
filhos quando casou. “Procurei um marido bem longe daqui, que não tinha nenhuma
ligação de parentesco. Hoje tenho dois filhos, de 14 e 15 anos, que não têm a
doença, e agradeço a Deus por isso, pois a nossa realidade é dura demais”,
conta.
Cláudia, que é irmã de Djalma e prima de Deidi, ainda não precisou fazer nenhum procedimento cirúrgico em função do mal, mas acredita que isso se deve aos cuidados que toma. “Eu já vi muita gente morrer aqui por conta disso, então passei a me cuidar mais e a ficar isolada dentro de casa mesmo. Mas as dificuldades são grandes, pois nem mesmo uma simples foto com flash podemos tirar. Como não temos perspectivas de cura, o jeito é tentar tomar o máximo de cuidado mesmo”, afirma a dona de casa.
Cláudia, que é irmã de Djalma e prima de Deidi, ainda não precisou fazer nenhum procedimento cirúrgico em função do mal, mas acredita que isso se deve aos cuidados que toma. “Eu já vi muita gente morrer aqui por conta disso, então passei a me cuidar mais e a ficar isolada dentro de casa mesmo. Mas as dificuldades são grandes, pois nem mesmo uma simples foto com flash podemos tirar. Como não temos perspectivas de cura, o jeito é tentar tomar o máximo de cuidado mesmo”, afirma a dona de casa.
Fonte
e foto: G1 - Goiás
Edição:
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